quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Excerto de Uma Canção de Natal


Excerto de Uma Canção de Natal, de Charles Dickens

(…)
– Bom Natal, meu tio, e que Deus o ajude! – exclamou uma voz jovial.
Era a voz do sobrinho de Scrooge, cuja entrada no escritório fora tão imprevista, que este cordial cumprimento foi o único aviso com que o rapaz se fizera anunciar.
– Tolice! Tudo isso são disparates!
O sobrinho de Scrooge, que havia caminhado apressadamente no meio da bruma gélida, tinha o rosto incendiado pela corrida. Seu rosto simpático estava vermelho, os olhos brilhavam, e, quando falava, seu hálito quente transformava-se numa nuvem de vapor.
– O Natal, um disparate, meu tio? Parece que o senhor não refletiu bem!
– Ora! – disse Scrooge. Feliz Natal! Que direito tem você, diga lá, de estar alegre? Que razão tem você de estar alegre, pobre como é?
– E o senhor – respondeu alegre e zombeteiramente o sobrinho –, que direito tem de estar triste? Que razão tem o senhor de estar acabrunhado, rico como é?
Não encontrando no momento melhor resposta, Scrooge repetiu novamente:
– Tolice! Tudo isso são disparates!
– Vamos, meu tio! Não se zangue! – disse o jovem.
– Como não me hei-de zangar, – replicou o tio, – quando vivemos num mundo cheio de gente ordinária? Feliz Natal!... Que vá para o diabo o seu feliz Natal! Que representa o Natal, a não ser uma época em que se é obrigado a abrir os cordões da bolsa já magra? Uma época em que damos por nós um ano mais velhs e nem uma hora mais ricos? Em que, fazendo um balanço, se verifica que ativo e passivo equilibram, sem deixar nenhum resultado? – Se fosse eu quem mandasse, – continuou Scrooge indignado, – cada idiota que percorre as ruas com um Feliz Natal na ponta da língua seria condenado a ser frito em azeite, junto com as rabanadas, e a ser enterrado com um galho de azevinho espetado no coração. Pronto!
– Meu tio! – exclamou o jovem.
– Meu sobrinho, – tornou o tio num tom severo –, pode festejar o Natal a seu modo, mas deixa-me festejá-lo como me aprouver.
– Como lhe aprouver? Mas o senhor não o festeja absolutamente!
– Perfeitamente! – disse Scrooge; – então, dê-me a liberdade de não o festejar. Quanto a você, que lhe faça bom proveito! O proveito que você tem tido até hoje...
– Há muita coisa de que eu não soube tirar o proveito que poderia ter tirado, é certo, e o Natal é uma delas, – replicou o sobrinho. – Mas, pelo menos, estou certo de ter sempre considerado o Natal – fora a veneração que inspiram sua origem e seu caráter sagrados – como uma das mais felizes épocas do ano, como um tempo de bondade e perdão, de caridade e alegria; o único tempo, que eu saiba, no decorrer de todo um ano, em que todos, homens e mulheres, parecem irmanados no mesmo comum acordo para abrir seus corações fechados e reconhecer, naqueles que estão abaixo deles, verdadeiros companheiros no caminho da vida e não criaturas diferentes, votadas a outros destinos. Assim, pois, meu tio, embora o Natal não me tenha posto nos bolsos uma única moeda de ouro ou de prata, estou convencido de que ele me fez e me fará muito bem, e é por isso que eu repito: Deus abençoe o Natal!
O empregado não pôde deixar de aplaudir, do seu cubículo, o sobrinho de Scrooge, mas, logo a seguir, caindo em si e notando sua inoportuna intromissão, pôs-se a remexer as brasas vigorosamente, acabando por apagá-las.
– Eu que o ouça mais uma vez, – disse Scrooge, – e irá festejar o Natal no olho da rua. Quanto a si, meu amigo, continuou ele voltando-se para o sobrinho, você é de fato eloqüente; estou mesmo admirado de que ainda não tenha conseguido um lugar no Parlamento.
– Não se aborreça, tio, e venha almoçar conosco amanhã.
Scrooge respondeu mandando-o para o diabo, e o fez de cara a cara.
– Mas, por quê? – exclamou o sobrinho. – Por quê?
– Por que foi que você casou? – perguntou Scrooge.
– Porque estava apaixonado.
– Porque estava apaixonado! – resmungou Scrooge. – Como se isso não fosse outra tolice maior ainda do que festejar o Natal! Passe bem!
– Mas, meu tio! O senhor nunca vinha à minha casa antes do meu casamento. Por que arranja esse pretexto para não vir hoje?
– Boa noite! – disse Scrooge.
– Eu não espero nada do senhor; eu nada lhe peço. Por que não sermos bons amigos?
– Boa noite! – disse Scrooge.
– Lamento de todo o coração vê-lo assim tão obstinado. Não temos, que eu saiba, nenhum motivo de ressentimento. Foi em homenagem ao Natal que vim até aqui, e no espírito de Natal quero ficar até o fim.
– Boa noite! – disse Scrooge.
– E feliz Ano Novo!
– Boa noite! – replicou Scrooge.
(…)
Uma Canção de Natal, de Charles Dickens

Sem comentários:

Enviar um comentário