quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Um presente de Natal que jamais esquecerei


Um presente de Natal que jamais esquecerei

A vida de uma criança é como um pedaço de papel onde todos aqueles que passam deixam uma marca.
Provérbio chinês


Ele entrou na minha vida há vinte anos, encostado à ombreira da porta da sala 202, onde eu dava aulas ao quinto ano. Usava sapatos de borracha três vezes maiores do que os pés, calças aos quadrados rasgadas nos joelhos.
Daniel fez esta entrada banal na escola de uma aldeia bizarra, ao lado de um lago, conhecida pelo dinheiro antigo, pelas casas coloniais brancas e pelas caixas de correio de latão. Disse-nos que a última escola que frequentara ficava situada num condado vizinho.
— Colhíamos fruta — disse ele, sem rodeios.
Suspeitava de que este rapaz sorridente, amistoso e mal vestido, vindo de uma família de imigrantes, fora atirado para uma jaula de leões do quinto ano, que nunca tinham visto calças rasgadas. Se ele reparou nos risinhos, nada revelou. Não foi rude nem agressivo.
As vinte e cinco crianças do quinto ano olharam para Daniel com desconfiança até ao jogo de bola dessa tarde. Ele deu então a primeira tacada na bola. Isso mereceu-lhe um pouco de respeito dos críticos do vestiário da sala 202.
A seguir foi a vez de Charles. Charles era a criança menos atlética, a mais pesada de todo o quinto ano. Depois do segundo golpe do batedor, no meio de olhos revirados e dos gemidos da turma, Daniel aproximou-se e falou calmamente para as costas arqueadas de Charles.
— Esquece, pá. Tu és capaz.
Charles animou-se, sorriu, endireitou-se e atacou sem demora. Mas, nesse preciso momento, desafiando a ordem social daquela selva onde entrara, Daniel começou a mudar as coisas — e a mudar-nos.
No fim do Outono, todos tínhamos gravitado na sua direcção. Dava-nos todo o tipo de lições. Como atrair um peru selvagem. Como saber se a fruta está madura antes da primeira dentada. Como tratar os outros, mesmo Charles. Principalmente Charles. Nunca usava os nossos nomes, chamava-me «Menina» e aos alunos «rapazes».
No dia anterior às férias do Natal, os alunos traziam sempre presentes à professora. Era um ritual — abrir todas as caixas, observar o perfume caro ou o lenço ou a carteira de cabedal, e agradecer à criança.
Nessa tarde, Daniel aproximou-se da minha secretária e segredou-me ao ouvido:
— As caixas para a mudança chegaram ontem à noite — disse ele, sem emoção. — Partimos amanhã.
Quando percebi a notícia, os meus olhos encheram-se de lágrimas. Ele quebrou o silêncio constrangedor, falando-me da mudança. Então, quando me recompus, tirou uma pedra cinzenta do bolso. Deliberadamente e com gestos decididos, colocou-a suavemente na secretária.
Pressenti que aquilo era algo de extraordinário, mas a minha prática com perfumes e sedas deixara-me lamentavelmente desprevenida para responder.
— É para si — disse ele, fixando os olhos nos meus. — Puxei-lhe o lustro.
Nunca me esqueci dessa manhã.
Passaram anos. Todos os Natais, a minha filha pede que lhe conte esta história. Começa sempre depois de ela pegar na pequena pedra polida que está na minha secretária. Em seguida, aninha-se no meu colo e eu começo. As primeiras palavras da história nunca variam.
— A última vez que vi o Daniel, ele deu-me esta pedra como presente e falou-me das caixas. Isso foi há muito tempo, antes de tu nasceres.
— Agora já é um homem — termino. Juntas, imaginamos onde estará e o que andará a fazer.
— Aposto que é boa pessoa — diz a minha filha.
Depois acrescenta:
— Conta-me o fim da história.
Sei o que ela quer ouvir: a lição de amor e carinho aprendida por uma professora com um rapaz sem nada — e com tudo — para dar. Um rapaz que vivia no meio de caixas. Toco na pedra, recordando.
— Olá, rapaz — digo, suavemente. — Esta é a «Menina». Espero que já não precises das caixas. E feliz Natal, onde quer que estejas.
Linda DeMers Hummel, in Jack Canfield; Mark Victor Hansen, Canja de galinha para a alma – O tesouro do Natal, Mem Martins, Lyon Edições, 2002

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